08 maio 2014

Desmancha-prazeres!

Há duas semanas, fui ao cinema. Como não tenho andado ao corrente das estreias, fiz a minha escolha baseada no título e no cartaz, basicamente. Má ideia! As aparências iludem!

O filme seleccionado intitula-se Pecado Fatal. Junto com os bilhetes, a funcionária da bilheteira deu-me um panfleto sobre o filme. Foi quando descobri que este é português e até ganhou um prémio num festival internacional. Além disso, trazia diversos comentários de espectadores muito satisfeitos com o filme e que não se pouparam nos elogios. Para além de mencionarem a qualidade da interpretação da actriz principal, referem também como este filme prova que o cinema português não é chato, sem história e sem naturalidade. Pois eu digo: tirando a opinião sobre a prestação da actriz principal, não sei de que estão a falar!

Em traços gerais, a narrativa começa com um homem a bater à porta dum amigo a meio da noite para lhe pedir para usar o seu quarto de hóspedes para um encontro sexual fortuito. A rapariga está de tal forma bêbada que acaba por passar a noite na casa desse amigo. Durante a noite, tem um pesadelo e o ruído que faz chama a atenção do proprietário da casa, que vai até ao quarto ver se ela está bem. A pedido da rapariga (relembro: bêbada!), ele deita-se junto dela para a confortar e acabam por ter relações sexuais. A parte pecaminosa é que ela pensava durante todo o tempo que estava com o amigo dele, o mesmo com quem ela tinha ido para casa. Pela manhã, Lila (a rapariga) encontra Nuno (o dono da casa) e, após uma conversa simpática durante o pequeno-almoço, ela oferece-se para ficar com o quarto que ele está a alugar no seu apartamento. Com a convivência, os dois apaixonam-se e, eventualmente, os eventos daquela noite de bebedeira tornam-se muito relevantes para a sua relação. Descobre-se também que a Lila tem um passado trágico de abandono familiar, que também é explorado no filme. Na minha opinião, globalmente a história é um pouco pobre. O passado trágico também parece-me que foi criado à força, porque é conveniente para o desfecho do filme. Algumas das cenas interpretadas pela actriz principal estão carregadas de emoção, especialmente as relacionadas com esse passado conturbado, e concordo que ela sabe exprimir essas emoções com naturalidade. Infelizmente, os seus colegas não me convenceram.

Outra coisa que achei curiosa, mas não no bom sentido, foi o começo do filme. Nuno vai falar com o seu vizinho, um idoso viúvo, diz que está preocupado com ele e convida-o para almoçarem juntos no dia seguinte. Isso é muito bonito, mas sinceramente não acredito que seja algo muito frequente. Ainda por cima, essa cena não tem qualquer conexão com o resto do filme. Só se fala do velhote no início e no fim do filme: no início, dá-se o convite e decorre o referido almoço, em que participa o Nuno e a sua nova inquilina; no fim, quando eles lembram-se de lhe fazer novo convite, duas semanas depois, e descobrem que o velhote faleceu. Neste caso, dado que o actor que interpretou o idoso era um actor experiente, talvez o objectivo fosse dar maior credibilidade ao filme. Uma alternativa possível é que quisessem aproveitar aquele veículo para alertar o público para o abandono dos idosos, dado que ultimamente têm sido frequentes as notícias de idosos que foram encontrados mortos nas suas casas vários dias depois da sua morte, porque ninguém se preocupou com eles e foi preciso sentir o mau cheiro para que se lembrassem que existiam. Parece-me provável, tendo em conta a frequência com que se vê, no filme, publicidade descarada a diversos produtos e marcas, daí que fazê-lo também por uma causa não me parece um grande salto. O gesto é louvável, mas não acredito que tenha grande repercussão.

Como já deu para perceber, não fiquei impressionada com o filme e não concordo com a maioria das opiniões dadas por outros. É muito frequente, para não dizer que é certo, que quando leio opiniões alheias sobre um filme que vou ver, efusivas e a tecer-lhe os melhores louvores, acabo por sair da sala de cinema decepcionada. É impossível um filme estar ao nível da expectativa criada por esses comentários. Daí o título deste texto: os críticos são uns desmancha-prazeres! Transformam um filme muito bom num filme mediano e um filme mediano num filme razoável. No caso deste filme, passou de razoável a fraquinho. Decididamente, é melhor ignorar quaisquer opiniões antes de ter a minha própria opinião formada, que é para não ser influenciada.

08 abril 2014

Curiosidade nº 8: classificação espectral das estrelas

Em Astronomia, as estrelas são classificadas de acordo com as características do seu espectro electromagnético. Cada linha que está presente no espectro corresponde a um elemento químico e a sua abundância depende da temperatura da estrela. A classificação actualmente usada é feita usando as letras O, B, A, F, G, K e M, que vai da mais quente à mais fria nesta mesma ordem. A parte curiosa é a mnemónica engraçada, em inglês, que é usada para ajudar a lembrar as letras das classes espectrais e a respectiva ordem: "Oh, Be A Fine Guy/Girl, Kiss Me". Esta mnemónica foi depois alterada para incluir as classes espectrais das estrelas mais frias: L, T e Y.
Cada uma destas classes pode ser sub-dividida adicionando um algarismo de 0 a 9, em que o 0 corresponde à mais quente e o 9 à mais fria dentro dessa classe. Pode ainda ser adicionado um número romano, de I a VI, que indica a classe de luminosidade: por exemplo, I para as supergigantes; III para as gigantes e V para as anãs ou da sequência principal.
O nosso Sol, por exemplo, é uma estrela da classe G2V. É uma anã amarela, com temperatura à superfície de aproximadamente 5500 ºC. As estrelas da classe O são azuis e têm mais de 30000 ºC.

02 janeiro 2014

Pontapés na Gramática

Desculpem-me por não ter publicado esta mensagem a tempo do Natal, pois creio que esta seria uma óptima sugestão de prenda para quem se esforça por expressar-se em bom português - e a preço de amigo! Refiro-me ao livro Pontapés na Gramática, da Areal Editores.

Primeiro nasceu o programa de rádio, na Antena 3, com o mesmo nome, onde se abordava uma série de temas linguísticos que é frequente darem origem a erros gramaticais. Da rádio passou para o papel, onde se compilou 370 desses pontapés na gramática, distribuídos por diferentes secções. O livro está estruturado como uma espécie de teste de escolha múltipla: é feita uma pergunta onde se pretende demonstrar determinado erro gramatical; são dadas duas alternativas de resposta e cabe ao leitor pôr à prova o seu conhecimento da língua portuguesa. Logo abaixo pode encontrar-se a resposta correcta à pergunta, assim como a respectiva fundamentação.

Na primeira secção, as autoras dedicam-se às dificuldades relacionadas com a fonética e ortografia, ou seja, a escrita e pronunciação das palavras:
Complete a frase.
"A um habitante da Madeira chamamos madeirense, a um dos Açores chamamos..."

(a) açoriano.
(b) açoreano.


A resposta correta é a opção (a): açoriano. (Pontapé nº 2, p. 9)
De seguida, debruçam-se sobre os problemas de vocabulário:
Onde está o erro na frase?
"Os adeptos desse clube saíram do estádio com a moral em baixo."

(a) Neste contexto, devemos dizer "o moral" e não "a moral".
(b) A forma verbal "sairam" escreve-se sem acento agudo.

A resposta correta é a opção (a): Neste contexto, devemos dizer "o moral" e não "a moral". (Pontapé nº 134, p. 53)
A terceira secção dedica-se às dúvidas relativas à morfologia:
A frase que se segue tem um pontapé na gramática muito frequente. Qual?
"O suspeito terá alegadamente morto a vítima durante a madrugada."

(a) O advérbio "alegadamente" não deve ser usado neste contexto.
(b) Deve dizer-se "terá matado" e não "terá morto".

A resposta correta é a opção (b): Deve dizer-se "terá matado" e não "terá morto". (Pontapé nº 219, p. 82)
A penúltima secção aborda os pontapés na sintaxe:
Qual a incorreção existente na frase?
"Dezenas de pessoas foram evacuadas de um prédio em risco de ruir."

(a) A frase está correta.
(b) Deve dizer-se "o prédio foi evacuado" e não "as pessoas foram evacuadas".

A resposta  correta é a opção (b): Deve dizer-se "o prédio foi evacuado" e não "as pessoas foram evacuadas". (Pontapé nº 269, p. 99)
Finalmente, porque é um tema muito actual, esclarecem-nos sobre o novo Acordo Ortográfico:
Reescreva a frase conforme as regras do novo Acordo Ortográfico.
"Muitos países exportam matéria-prima e mão-de-obra barata."

(a) Muitos países exportam matéria-prima e mão de obra barata.
(b) Muitos países exportam matéria prima e mão de obra barata.

A resposta correta é a opção (a): Muitos países exportam matéria-prima e mão de obra barata. (Pontapé nº 327, p. 120)
Algumas questões parecem ser de resposta óbvia, - pelo menos para nós, mas provavelmente não o serão para outros - mas também há daquelas que nos surpreendem. Se pensam que falam e escrevem num português irrepreensível, preparem-se para se decepcionarem, pois com certeza irão descobrir que algo que sempre escreveram ou disseram afinal está completamente errado. Se não acreditam, comprem o livro e vejam por vocês mesmos; provem que estou errada! Pessoalmente, e para meu desgosto, foram várias as questões em que soltei um longo ah!, como se tivesse acabado de descobrir a pólvora. Faço questão de estudar bem este livro para aprimorar o meu uso da língua portuguesa e sugiro que façam o mesmo, pois dar pontapés na gramática não é nada bonito.


TAVARES, Sandra Duarte, DIAS, Joana - Pontapés na Gramática. Prefácio de Marcelo Rebelo de Sousa; 1ª edição. Porto: Areal Editores, Janeiro de 2013.143 páginas. ISBN 978-989-647-552-9.