14 julho 2016

Génesis

Sim, é aquilo que pensam: vou escrever sobre a Bíblia. Bem, sobre o primeiro livro, pelo menos. Antes de começar, devo salientar que não sou uma pessoa de fé nem tenho religião, embora tenha sido introduzida ao Cristianismo. Ainda que rejeite a religião, admito que, inevitavelmente, fui e sou de alguma forma influenciada pelos seus princípios, pois é a religião dominante na sociedade portuguesa. Apesar de não ser crente, aceito quem escolhe sê-lo.

Comecei a ler a Bíblia por curiosidade. Já o tinha feito no passado, pela mesma razão, mas rapidamente desisti, porque tentei construir uma árvore genealógica mental da família de Adão e Eva e dei um nó no cérebro. É ainda pior que a família Buendía de Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Marquez! Desta vez consegui chegar ao fim do Génesis, porque resolvi ignorar tudo isso. Cedo fiquei chocada com o que lia, pois difere enormemente daquilo que é apregoado pela Igreja Católica hoje em dia.

Para começar, a poligamia e/ou o adultério parecem ser frequentes. Especificamente, um homem pode ter diversas mulheres, quer sejam esposas ou não; o oposto não me parece que fosse aceitável. Depois, a escravidão também é comum e aceitável, o que significa que afinal nem todos os Homens são iguais aos olhos de Deus. Em diversos momentos há referência a servas, mas que são mais que simples empregadas dado que as suas senhoras lhes ordenam que se deitem com os seus maridos e tenham filhos deles e elas obedecem; daí que lhe chame escravidão. Os homens têm, então, filhos das suas esposas e ainda filhos das servas das suas esposas, por isso é que é tão difícil manter-me a par desta genealogia. Há também um elevado grau de consanguinidade: os casamentos são frequentemente feitos entre membros da mesma família. Não deviam saber ainda o que são doenças genéticas ou doenças sexualmente transmissíveis...

O que realmente me deu a volta ao estômago foi a história de Loth, que perde a sua mulher ao escapar da destruição de Sodoma e Gomorra e depois as suas filhas, vendo que o pai já era velho e que não havia homem por perto para elas, resolveram embebedá-lo e deitarem-se com ele para engravidarem do próprio pai e propagarem a sua semente (Gen 19,31-36). Lendo isto, tentei imaginar que atrocidades se passariam em Sodoma e Gomorra para que necessitassem de ser destruídos, dado que entre as supostas pessoas de bem, as que foram poupadas à ira de Deus, já se praticavam actos realmente revoltantes.

Outra coisa que me perturbou na leitura do Génesis é a linguagem usada para se referir a actos sexuais. Não sei se o problema está no texto original ou se depende da tradução da Bíblia; aquela que tenho à mão é de 1968, o que poderá explicar em parte essa linguagem. Causa-me estranheza que se diga que um homem entrou numa mulher, para descrever a penetração durante o acto sexual - isto é demasiado explícito, é pornografia bíblica. E mais ainda que se diga que um homem conheceu uma mulher para indicar que houve uma relação sexual. Até parece que duas pessoas só se conhecem depois de fazerem sexo! Se levassem essa premissa a sério nos dias de hoje, vivíamos num mundo ainda mais promíscuo; basta olhar para o número de amigos que cada pessoa tem, em média, no Facebook. Mas porquê o sexo é mencionado na Bíblia sequer?! Pensei que o sexo era pecado, designado até como o pecado original, do qual as pessoas precisam de se lavar e purificar. Se é algo tão terrível e pecar deve ser evitado, para quê mencionar?

O próximo livro é o Êxodo, que será uma estreia para mim, pois do seu conteúdo só conheço o que vi em filmes. O cinema arranja sempre forma de embelezar tudo; desconfio que esse livro, mais ainda que o Génesis, vai ser de leitura difícil. Não garanto que o vá comentar também. A ver.